MENDES, Maria das Dores Nogueira. O duro aço da voz: investimento vocal, cenografia e ethos em canções do Pessoal do Ceará. Tese (Doutorado em Linguística do Centro de Humanidades) – Universidade Federal do Ceará, 2013.
Palavras-chave: Pessoal do Ceará (Movimento musical), Canções, Ceará, História e crítica, Música vocal, História e crítica.
Resumo: Nesta pesquisa, analisamos como o investimento vocal, em relação com a sua referência nas cenografias, colabora com a construção do ethos do posicionamento “Pessoal do Ceará” no discurso literomusical brasileiro. Nosso suporte teórico é o da Análise do Discurso de linha francesa, conforme delineada por Dominique Maingueneau (1996a/b, 1997, 2000, 2001, 2004, 2005, 2006a, 2006b, 2008, 2010a/b), que propõe os conceitos mais gerais de posicionamento e investimento, aplicados por Costa (2001, 2011) ao discurso literomusical brasileiro. Para chegarmos à caracterização do investimento vocal do “Pessoal do Ceará”, recorremos à referência dessas vozes nas cenografias das canções, às declarações dos artistas a jornalistas, às pesquisas acadêmicas (COSTA, 2001, 2011; CASTRO, 2008) e a conceitos da área fonoaudiológica (BELHAU; PONTES, 1989). Foi necessário ainda adaptar os conceitos de interdiscurso e metadiscurso à análise da dimensão vocal da canção, o que resultou nos conceitos de “intervocalidade contitutiva”, “intervocalidade mostrada” e “metavocalidade”. Além disso, analisamos a construção do ethos na articulação do investimento vocal com a sua referência na cenografia, observando como esse conceito contribui para a definição do Pessoal do Ceará. Desse modo chegamos as seguintes conclusões, respectivamente nos planos, vocal, verbal e vocoverbal das canções. A qualidade vocal anasalada e grave de Belchior e as qualidades vocais metálicas e agudas de Fagner bem como o emprego de recursos vocais que enfatizam tais qualidades, dentre os quais destacamos respectivamente os alongamentos de sons vocálicos em Belchior e de sons rascantes em Ednardo e Fagner produzem um efeito de estranheza. Em Fagner, contribuem ainda para esse estranhamento o fato de tais alongamentos serem frequentemente acompanhados por vibrato e ainda ser frequente o uso de intensidade forte nas sílabas “átonas” que terminam as frases musicais, podendo-se ouvir também, por vezes, uma aspiração. Nas cenografias, esse investimento vocal “estranho” da enunciação é referenciado pela figura da “faca”, do “berro”, pela representação da sua produção por cordas vocais de aço e pela desqualificação do canto do outro que possui características opostas a essas. Portanto, pela articulação dessas duas dimensões, conclui-se que há uma reciprocidade entre o “que” é cantado e o “como” é cantado. Desse modo, a estranheza do canto e o que é dito sobre ele são partes essenciais na construção do ethos polêmico e agressivo do posicionamento Pessoal do Ceará, já identificado por Costa (2001).