Matéria escrita por Thais Vieira de Oliveira e Leonardo Citon
A música é um importante estímulo sensorial para nosso cérebro. São vários os estudos mostrando ativação simultânea de diversas regiões subcorticais e corticais durante a experiência musical, seja ouvindo, cantando ou tocando algum instrumento. Os efeitos provocados por esta experiência são relatados em diversos níveis. A começar pelo sistema nervoso autônomo, a música modula processos como respiração, batimentos cardíacos, temperatura, pressão arterial, diâmetro pupilar e atividade das glândulas sudoríparas, principalmente através de músicas de alta valência emocional para o ouvinte.
Falando em emoção… A emoção é um aspecto de muito interesse na neurociência da música, principalmente por ser um estímulo capaz de promover regulação emocional, uma importante implicação clínica na musicoterapia.. O sistema de recompensa, envolvido em atividades prazerosas, é constantemente ativado durante a experiência musical, promovendo a sensação prazerosa e até arrepios.
A experiência musical promove alterações também em nível estrutural. O córtex motor primário, área principal relacionada a atividades motoras, é maior em músicos do que em não músicos, em ambos os hemisférios. Também são encontradas diferenças estruturais no córtex auditivo primário, na área de Broca, no giro frontal inferior, no cerebelo e algumas áreas no lobo parietal superior. Essas mudanças estruturais são conhecidas por neuroplasticidade, que é a capacidade que o cérebro tem de se reorganizar e se reconectar em resposta a experiências nas quais ele se engaja. Este mecanismo promove organização e aumenta a densidade e força nas conexões neuronais no SNC. Vários estudos já demonstraram que a experiência musical, seja a audição de músicas ou a prática, é uma importante forma de promover e/ou fortalecer mais conexões no cérebro.
Todos os efeitos da música no cérebro são mediados por neuroquímicos. A música melhora a saúde e bem-estar através do envolvimento dos sistemas neuroquímicos englobando áreas de prazer, motivação, recompensa, estresse, excitação, imunidade e relações sociais. Há uma forte ligação entre os subsistemas emocional e cognitivo durante o prazer musical, sugerindo que a recompensa musical depende da neurotransmissão dopaminérgica dentro de uma rede neural semelhante à de outros estímulos de reforço. A música preferida induz a liberação de dopamina resultando em mudanças na intensidade emocional e estimulação, levando a sentimentos de prazer e recompensa. A norepinefrina, por sua vez, está associada aos efeitos autônomos provocados pela experiência musical, como mudanças nas frequências cardíacas, respiratórias e pulsação arterial, por exemplo. Outro neuroquímico, a ocitocina, associada a comportamentos sociais, é modulada durante práticas musicais em grupo, gerando a sensação de pertencimento à comunidade e prazer no convívio social. A serotonina, também associada a processos cognitivos e emocionais, é modulada de acordo com músicas consideradas agradáveis ou desagradáveis, levando a estados de regulação ou desregulação emocional. Frequentemente relacionado ao estresse, o cortisol, também está associado à sensações que diferentes tipos de música promovem. Estudos mostram que o nível de cortisol aumenta com a escuta de músicas em andamento rápido e com estímulo rítmico tocado repetidamente, e diminuem com música de dinâmicas mais lentas. Vale observar, no entanto, que os resultados não devem ser generalizados para toda a população.
Processos motores e cognitivos são amplamente pesquisados no contexto da prática musical. O ato de tocar um instrumento musical envolve áreas motoras fundamentais para estabelecer a coordenação dos movimentos. A organização do ritmo junto ao movimento ativa uma ampla rede envolvendo o cerebelo, córtex motor, auditivo e áreas frontais, responsáveis por funções cognitivas mais complexas.
Outro aspecto frequentemente relacionado à música e muito utilizado no contexto terapêutico é a linguagem. Os elementos sonoro-musicais são compartilhados pelas mesmas regiões que a linguagem, fazendo da música uma ferramenta importante no contexto da aquisição ou reabilitação da linguagem.
Outros processos cognitivos como atenção, memória e funções executivas também podem ser mediados pela experiência musical. A prática de exercícios musicais exige habilidades cognitivas complexas como planejamento, atenção sustentada e dividida, memória operacional, flexibilidade cognitiva e controle inibitório, por exemplo. Estas habilidades estão relacionadas às regiões frontais do cérebro, intensamente ativadas durante a experiência musical.
Entretanto, é importante considerar os possíveis efeitos adversos da experiência musical. Por exemplo, um quadro conhecido é o da epilepsia musicogênica. Neste quadro, a pessoa pode ter uma crise de epilepsia desencadeada ao ouvir o som de um instrumento em específico, uma repetição de estímulos rítmicos, ou a uma música. A crise pode ocorrer a partir de uma superestimulação provocada pelos sons. Como já dito anteriormente, a música modula processos autônomos por sua ação subcortical. Assim, seu efeito relatado para regulação emocional, pode também ser adverso e acabar levando o ouvinte a uma experiência de ansiedade, estresse, raiva ou tristeza.
Nas últimas décadas, com o avanço das tecnologias em neuroimagem, foi possível identificar muitas facetas do processamento musical no cérebro. As descobertas vão para além dos laboratórios. A ampla literatura sobre música e cérebro têm embasado a prática de intervenções clínicas em musicoterapia neurológica, tornando o universo música-cérebro um espectro de possibilidades em direção à qualidade de vida da população.
Referências:
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