As origens da musicoterapia – por Leonardo Citon

Musicoterapia é um campo do conhecimento que estuda a relação som-ser humano-som, ou seja, como o som influencia – a nós – nos mais diversos níveis. E como a produção musical pode produzir mudanças em nossa saúde.

Não é simples estabelecer um ponto claro na linha do tempo para definir quando ocorreu o surgimento da musicoterapia; no entanto, a seguir, vamos explorar alguns registros históricos relevantes. 

A utilização da música voltada para a saúde é encontrada em registros antigos, como no Egito (5.000 a.C.), onde os médicos-sacerdotes incluíam terapia do canto como parte de sua prática médica. 

Escritos sobre teorias e métodos terapêuticos relativos à música e à medicina também são encontrados a partir do século XVII. Porém, segundo os registros históricos, o termo “music therapy” teria aparecido pela primeira vez em 1789, publicado em um estudo na Columbian Magazine chamado “Music Physically Considered”, de autoria desconhecida. 

Duas dissertações sobre música e medicina foram registradas no início do século XIX, uma, em 1804, por Edwin Augustus Atlee (An inaugural essay on the influence of music in the cure of diseases) e outra, em 1806, por Samuel Mathews (On the effects of music in curing and palliating diseases). Atlee e Mathews estudaram com o médico americano Benjamin Rush, um conhecido defensor do uso clínico da música. Também no século XIX, experimentos com musicoterapia foram realizados pela primeira vez em pacientes em uma instituição, a Blackwell’s Island Asylum, em Nova York. 

No século XX, vale destacar os ocorridos nas duas guerras mundiais. Na primeira guerra mundial (1914 – 1918), as experiências empíricas da cantora Paula Lind Ayers com soldados que sofriam do então chamado “shell shock” (atualmente conhecido como transtorno do estresse pós-traumático) foram reconhecidas pela comunidade médica como sendo de grande valia para o alívio emocional dos soldados. 

Ainda na primeira guerra, Spencer (2013) recorda de um artigo de jornal de 5 de março de 1916 intitulado “Soldados feridos aplaudidos pela música” (New York Times), que detalhou os esforços de May Moulton, uma mulher que enviava música para soldados feridos no exterior. Moulton enviou fonógrafos, discos, bandolins e violões em um esforço para levantar o espírito dos homens que lutavam no exterior. Os agradecimentos dos soldados vieram por cartas, onde lhe mostraram gratidão dizendo que seu sofrimento tinha diminuído. Em 1918, a Columbia University de Nova York criou o curso de musicoterapia, onde lecionava Margaret Anderton, uma musicista britânica que havia trabalhado intensamente com soldados canadenses que haviam sofrido transtornos mentais e físicos durante a Primeira Guerra Mundial. Esse curso preparava músicos para trabalharem como terapeutas em hospitais. Durante a primeira metade do século XX, estudou-se um mecanismo fisiológico para explicar as mudanças que ocorriam a partir da audição de músicas selecionadas.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), soldados com sequelas neurológicas, decorrentes de trauma crânio encefálico (TCE), recebiam cuidados a partir do uso da música, como forma de reabilitação. Além disso, pode-se destacar  nomes como o do Tenente Guy V. R. Marriner, assim como o Tenente Coronel George W. Ainlay, os quais foram responsáveis pela política oficial sobre o uso da música em hospitais. Segundo o programa implementado, a música seria útil (a) para agilizar o exercício; (b) como modalidade física no exercício pós-cirúrgico para casos ortopédicos, plásticos ou pulmonares; (c) em atividades educacionais (estudar música, notação ou algum tipo de instrumento, tocar em uma orquestra, tocar música de câmara ou cantar em um refrão); (d) para ressocialização; e (e) para auxiliar no tratamento neuropsiquiátrico. O trabalho foi considerado de grande relevância, de modo que foi reconhecido pela Força de Serviço Americana, destacando a música como um agente capaz de ajudar o soldado mental e fisicamente ferido. Todo este conjunto de práticas serviu como base para o surgimento da musicoterapia moderna.

Ainda nos períodos de guerra e pós-guerra, na década de 1940, os nomes de Ira Altshuler, Willem van de Wall e Everett Thayer Gaston são lembrados por serem os responsáveis pela organização da profissão clínica de musicoterapeuta e pela consolidação da musicoterapia moderna. Ademais, o ano de  1950 foi marcante para a musicoterapia, uma vez que foi criada a American Music Therapy Association, nos Estados Unidos. Após isso, a musicoterapia passa a ser uma área do conhecimento organizada, sistematizada e que segue os preceitos da ciência moderna.

 A partir da década de 1950, cursos de musicoterapia passaram a surgir ao redor do mundo e diferentes abordagens foram sendo organizadas e difundidas. Em 1985 é fundada na Itália a Federação Mundial de Musicoterapia (World Federation of Music Therapy) direcionando seus esforços para discutir e avaliar os modelos de musicoterapia até então criados. Alguns modelos reconhecidos pela WFMT são a Musicoterapia Analítica, Modelo Benenzon de Musicoterapia, Música e Imagens Guiadas (GIM), Musicoterapia Neurológica e Musicoterapia Nordoff-Robbins. 

No Brasil, a musicoterapia aparece com mais evidência ao final da década de 1960, influenciada, principalmente, pelo Modelo Benenzon de Musicoterapia.

https://www.musictherapy.org/

https://www.britannica.com/topic/music-therapy

Moreira, S. V., Alcântara-silva, T. R. D. M., José, D., & Moreira, M. (2012). Neuromusicoterapia no Brasil: Aspectos terapêuticos na reabilitação neurológica. Revista Brasileira de Musicoterapia Ano XIV N° 12 / 2012, p. 18-26., 18–26.

Reschke-Hernandez, A. E. (2014). Paula lind ayers: “Song-Physician” for troops with shell shock during world war I. Journal of Music Therapy, 51(3), 276–291. https://doi.org/10.1093/jmt/thu022

Rorke, M. A. (1996). Music and the Wounded of World War II. Journal of Music Therapy, 33(3), 189–207. https://doi.org/10.1093/jmt/33.3.189

Spencer, J. (2013). A Historical Review of Music Therapy and the Department of Veterans Affairs. 52.

Thaut, M. H. (2015). Music as therapy in early history. In E. Altenmüller, S. Finger, & F. Boller (Eds.), Music, Neurology, and Neuroscience: Evolution, the Musical Brain, Medical Conditions, and Therapies. Elsevier B.V.

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