Entrevista com Ivone de Lourdes Oliveira


(Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/PUC-MG)

Autora, em parceria com Maria Aparecida de Paula, do artigo “Aproximações entre a prática da
comunicação organizacional e a produção acadêmica do campo”
, Revista Latinoamericana de
Ciencias de la Comunicación, v. 14, nº 27, 2017, p. 374-384.
Disponível em: https://www.alaic.org/revista/index.php/alaic/article/view/1064/524

Entrevistador: Gabriel Ferreira Vale (Graduando em Comunicação Organizacional – UTFPR)

Gabriel: Apesar de formados na área da Comunicação Organizacional, os profissionais têm dificuldade de compreender e promover o diálogo entre as organizações e os públicos. O que explicaria esse quadro?
Ivone: Os profissionais tentam, a todo momento, estabelecer esse diálogo, essa troca, essa conversa com os públicos no intuito de estabelecer um processo interativo, mesmo que esse processo seja considerado informal, pensando na mensagem que é enviada para o receptor, sem perceber o receptor como um grupo que possui interesse, expectativas. Mesmo assim, há uma tentativa de estabelecer uma relação com o público. O que eu acho é que muitas vezes os profissionais recém-formados ou até mesmo os mais antigos não entendem o que é a comunicação organizacional nessa perspectiva mais ampla, de estabelecer relações com objetivos visando à visibilidade e ao reconhecimento da organização.

Gabriel: Você acredita que a fase neoliberal do capitalismo, ligada a demandas e expressões organizacionais imateriais, tende a requerer novas posturas à prática da comunicação organizacional?
Ivone: O capitalismo neoliberal está dentro das organizações e dá muito valor nelas porque, com o neoliberalismo, o Estado sai do cenário e deixa a atuação para outras instituições, ao passo que as organizações, nesta fase, se tornam lugares fortes na sociedade. Agora, o capitalismo neoliberal carrega uma mudança na postura do profissional e na profissão porque ele investe muito na questão do indivíduo ser a empresa de si mesmo, ou seja, o trabalho deixa de ser aquele espaço dentro das organizações em que a força de trabalho é vendida e alguns direitos são garantidos. Hoje, o profissional é incentivado a ser empreendedor, a tomar conta da sua própria vida profissional. No
meu entendimento, isso é um equívoco, pois tira da organização aquela responsabilidade perante o seu funcionário. O trabalhador, hoje, tem que lidar o tempo todo com exigências, como ser criativo e inovador. Esse contexto, obviamente, interfere nas ações dentro de uma organização. Mas eu acho que não muda a função, o papel e a importância da comunicação nas organizações, pois no próprio capitalismo neoliberal há uma necessidade muito grande da organização estar presente na sociedade. Nesse sentido, a comunicação fortalece porque quem vai desenvolver esse trabalho de estabelecer a comunicação, o compartilhamento da organização com os vários grupos será a equipe de comunicação. Então, eu não sei se interfere diretamente no papel dela, eu acho que interfere muito mais na perspectiva profissional e na forma como o profissional vai atuar.

Gabriel: Na sua opinião, quais competências e conhecimentos o profissional de Comunicação Organizacional deve aprimorar para evitar que o campo profissional esteja conectado apenas a aspectos técnicos e gerenciais?
Ivone: O que diferencia o profissional é o conhecimento que ele tem, muito mais que suas competências. Como eu entendo a área de Comunicação Organizacional como uma área dinâmica, porque ela trabalha com as interações, deixo de lado essa coisa da competência porque é uma exigência da gestão, da gerência e da administração, e o profissional de Comunicação Organizacional, para se distinguir dos outros, ele deve ter conhecimento, embasamento e fundamentos para justificar um posicionamento ou uma proposta de trabalho. Acho que o grande problema hoje da área de Comunicação Organizacional é a falta de conhecimento dos profissionais sobre o campo da comunicação, em entendê-la como um processo de interação, em que pessoas com desejos, expectativas e interesses estão envolvidas e possuem condições de interferir nos processos das organizações. Para isso, outros campos darão respaldo para entender a organização e a sociedade. Muitas vezes, o profissional busca somente na Administração o respaldo. Para entender esse processo todo, o profissional deve ter conhecimento de Sociologia, da linguagem, do discurso, da disputa de sentidos. Ele tem que entender também as questões simbólicas que passam por esse processo de interação entre as organizações e seus interlocutores.

Gabriel: A produção acadêmica do campo da Comunicação Organizacional, no Brasil, tem conseguido acompanhar e analisar as rápidas mudanças que ocorrem no capitalismo global?
Ivone: Olha, hoje, se você fizer um levantamento dos trabalhos, das dissertações, das apresentações de doutorados e dos artigos apresentados em congressos, você vê que há pesquisadores, professores e estudiosos que estão atentos a todas essas mudanças. Então, por exemplo, a questão das mídias digitais, das minorias, da inclusão social têm sido discutidas. Há também muitos trabalhos estudando essas novas formas de organizações consequentes do capitalismo neoliberal, que são as startups, que têm toda essa linguagem diferente de independência do trabalhador, do envolvimento do trabalhador com a empresa e a autonomia do trabalhador, mas que é uma forma de mascarar uma relação capital-trabalho em que metas devem ser cumpridas e que demanda mais tempo para cumprir essas metas estabelecidas. Para mim, hoje, a área de Comunicação Organizacional avançou e está percebendo, estudando e refletindo sobre as temáticas que afloraram nessa fase do capitalismo neoliberal.

Entrevista, via Skype, em 26 de agosto de 2018.