“Aspectos críticos para a compreensão da lógica estratégica no relacionamento entre organizações e comunidades”

Revista Organicom, Universidade de São Paulo, v. 14, nº 26, 2017, p. 32-40. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/139354/134695

 

Entrevista com o autor Márcio Simeone Henriques

Entrevistadora: Maria Eduarda Maciel (Graduanda em Comunicação Organizacional – UTFPR)

 

M.E.: Primeiramente, eu gostaria de agradecer por você ter aceitado participar da entrevista.

Márcio: Que bom, é sempre um prazer.

M.E.: Bom, eu gostaria de entender o seu interesse no estudo sobre as interações entre organizações e comunidades.

Márcio: Na verdade, veio de uma confluência de fatores que fazem com que a gente se interesse por alguns temas na nossa vida acadêmica. Primeiramente, porque essa questão se tornou muito emergente nos últimos anos, sendo que dá para perceber os interesses das organizações pelas relações com as comunidades. Outro motivo é que, a partir do momento que tive atuação ligada às comunidades nos trabalhos de extensão, os interesses pelas questões comunitárias se tornaram uma faceta muito importante para mim no meu doutorado.

M.E.: É, eu vi no seu currículo que você atua em várias linhas de pesquisas, sendo que essa é uma delas.

Márcio: Sim. O interesse nos públicos, opinião pública, processos de formação de públicos, mobilização e movimentação dos públicos possibilitam um certo eixo para todas as linhas de pesquisa. Posso até dizer que, em um processo comunicativo, esses são fatores centrais e possibilitam a unificação de tudo.

M.E.: Quais as limitações e deficiências atuais que você identifica nos estudos sobre o público comunidade no campo da Comunicação Organizacional?

Márcio: Eu acho que nós avançamos pouco nos estudos sobre estes tipos de interação, principalmente em relação à falta de estudos mais críticos. Existe muita coisa sobre comunicação no ponto de vista mais normativo, porque pode-se encontrar isso em uma literatura de Comunicação Organizacional que é instrumental. Agora, dificilmente, as pessoas se dedicam a tentar entender a lógica das influências, interinfluências e de como o público é heterogêneo e diverso.

M.E.: Sim, com certeza. Bom, em um momento do seu artigo, você explora que as organizações também criam representações sobre os públicos. Há um ponto de convergência entre as autorrepresentações das comunidades e aquelas criadas pelas organizações?

Márcio: É sempre possível haver. O que observamos é que precisamos entender esta dupla dinâmica que existe tanto de um lado quanto do outro. As organizações projetam seus públicos comunidades segundo as suas conveniências, segundo seus olhares, perspectivas e interesses. Porém, estas organizações não podem fazer isso aleatoriamente, elas têm que respeitar aquilo que emana da própria comunidade. Já a comunidade também oferece de si própria uma certa autorrepresentação. Por isso, na verdade, sempre haverá algum ponto de contato entre as representações que são feitas sobre o público e as representações que emanam do público. Isso ocorre porque um processo comunicativo tem que produzir certas convergências, caso contrário, não haverá possibilidades de comunicação e nem possibilidades de uma relação.

M.E.: E em que medida essas representações, tanto da comunidade quanto das organizações, podem dificultar ou beneficiar as interações entre comunidades e as organizações?

Márcio: Fica difícil de imaginarmos se isso beneficia ou não. Na verdade, acredito que tanto beneficia quanto prejudica, pois existem convergências até um certo entendimento, mas produz também muito dissenso e desacordo ao mesmo tempo. É uma relação que vem sendo administrada por todos os lados e o tempo todo, mas o importante é que essa dinâmica não para. Podem acontecer momentos benéficos em uma cooperação mútua na relação, porém também existe a possibilidade do desentendimento. Por isso, é uma relação muito ambígua, pois o tempo todo há essa movimentação.

M.E.: Com certeza, acredito que relação é isso. A partir do momento que vão ter divergências, terão convergências também.

Márcio: Claro. É importante ressaltar que os públicos podem tender à uma aceitação, mas sempre pode haver setores dos públicos que não aceitam bem e persistem em um conflito.

M.E.: No artigo, você apresenta uma crítica à análise e repartição de interesses entre organizações e públicos, afirmando que há limitações no mapeamento de públicos e na avaliação dos interesses. Na perspectiva da Comunicação Organizacional, mediar os conflitos entre a organização e os seus públicos é algo primordial. Mas se há limitações na avaliação dos interesses entre as partes, há também limitações na prática da comunicação organizacional?

Márcio: Acredito que nunca conseguiremos fazer uma análise de todos os interesses, porque existem interesses que conseguiremos ver com facilidade, por serem mais explícitos, e outros não. Nunca saberemos todos os interesses implicados em uma relação, principalmente em uma situação complexa com várias organizações e públicos. Isso significa que não há um processo de comunicação organizacional perfeito e ideal, pois nunca conseguiremos saber de todos os interesses para inferir neles, o que torna o processo aberto e incerto. O que quero dizer é que nada é garantido, não há um ideal normativo de comunicação organizacional com um mapeamento de públicos perfeito.

M.E.: É interessante perceber essa inconstância que existe, porque, realmente, não é uma relação constante.

Márcio: Sim, os interesses mudam também, e nós temos que pensar nisso. Às vezes, nós fazemos um mapeamento congelando os interesses, esperando que o grupo explicite o interesse ou nós presumimos os interesses. Porém, estes interesses, mesmo que explicitados, podem não ser os únicos ou podem não corresponder a exatamente aquilo que a gente presume. Sendo assim, os públicos podem mudar seus interesses em um curto período de tempo, pois as pessoas são volúveis.

M.E.: Você cita a influência da mídia e do poder público sobre o público comunidade. Eu gostaria de saber como as organizações poderiam equilibrar os interesses da própria comunidade com esses dois segmentos.

Márcio: Eu constato que as organizações buscam equilibrar estes interesses o tempo todo. A configuração do poder local está associada às organizações, mídia e ao poder público como se fosse um bloco de poder e, do outro lado, a sociedade civil. Porém, existem outras correlações que passam pelo poder público e pela mídia que, em determinado momento, colocam essas instituições em rota de colisão com os interesses da organização. Então, pode-se perceber que não há um alinhamento definitivo e automático, pois as situações vão mudando e, de alguma maneira, as coisas precisam ser adaptadas a cada circunstância. Por isso, os profissionais da Comunicação Organizacional têm que ter habilidade suficiente para ler os cenários, entender a movimentação dos públicos nestes cenários, entender o que está acontecendo e saber lidar com situações de controvérsias públicas.

M.E.: Bom, eram essas as perguntas. Eu gostaria de agradecer novamente pela sua participação em nosso projeto.

Márcio: Com certeza. Havendo possibilidades, eu gosto muito de colaborar.

 

 

Entrevista, via Skype, em 26 de agosto de 2018.