Comunicação & Sociedade, v. 40, n. 2, p. 5-26, 2018. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/CSO/article/viewFile/6371/6423%3E
Entrevista com a autora Isaura Mourão (UFMG)
Entrevistadora: Isabela Nizer (Graduanda em Comunicação Organizacional – UTFPR)
Isabela: Bom, primeiramente obrigada por conceder o seu tempo para responder às perguntas!
Isaura: Imagina!
Isabela: De onde surgiu o seu interesse pela comunicação em mídias digitais, pela IMC, conforme você escreveu no artigo?
Isaura: Tá, então, o que acontece. Eu trabalhei, Isabela, com consultoria durante muitos anos em empresas de grande e médio porte, e, no final da primeira década dos anos 2000, existia, parecia, que uma “febre” muito grande das organizações, de que elas queriam, porque queriam, estar nas mídias sociais, né? Naquela época, existia muito a questão de blogs, de twitter etc. Também, coincidentemente, começou, mais para a frente um pouquinho, aquela história de web 2.0. O que acontecia? Organizações que não tinham nada a ver com relações por computador, por internet, ou cujos clientes nem acessavam a internet, ou que não tinham esse como principal canal. Então, aquilo me incomodava profundamente, porque eu falava: “gente, não tem por que! Né? Não tem por que você fazer isso e tal”. Então aquilo começou, na minha cabeça, a me incomodar. Quando eu comecei a fazer o doutorado e fiz a disciplina do Alex Primo, eu achei que foi muito interessante a gente perceber essa questão da interação mútua e da interação reativa. Como se fosse uma forma de a gente olhar para o tipo de comunicação que a gente faz, essa clássica-informacional, mas em outros veículos, em outros canais. E, aí, este artigo que acabei escrevendo vem muito dessas reflexões que são anteriores e que não estão totalmente focadas na interação mediada por computador, que são reflexões que eu faço acerca de Comunicação Organizacional. Muito vem da minha experiência, muito vem em função de buscar outros autores, novos autores que falam dessa Comunicação Organizacional de uma maneira diferenciada, né? Então, assim, acho que é uma preocupação que vem em função dessas minhas experiências e em função da compreensão que eu tenho em relação à Comunicação Organizacional. Então, o que me parece, muitas vezes, é que as organizações pensam em mídias sociais porque elas acham que têm que estar lá, porque todo mundo está, todo mundo tem Facebook, todo mundo tem Intranet, então eu tenho que estar lá. Só que essas pessoas, essas organizações, e aí eu falo os profissionais de Comunicação, não refletem sobre a lógica e a natureza dessas novas mídias e acabam tentando buscar acessar e estar, colocar as organizações nas mídias sociais com aquela lógica do clássico-informacional. Então, assim, mídia social prevê interação e, ah, é claro que você pode ter os dois tipos de interação, né? Mas a grande vantagem das mídias sociais é você conseguir essa abertura para o diálogo. Se a gente for observar nas organizações que têm esse trabalho, dificilmente você vai encontrar um diálogo. Muitas vezes, a gente vai encontrar postagens de informações que são de interesse das organizações, dificilmente você tem uma organização que usa, de fato, as redes sociais, as mídias sociais, para dialogar com diferentes públicos. Essa é a questão, sabe? Então, eu acredito que, se a organização não tem condição de abrir para esse diálogo, então ela não tem por que ter mídias sociais, entendeu? Não de uma forma radical, mas, assim, é preciso que se reflita, né? Por quê? Como é que você vai usar? Qual é a lógica? Qual é o objetivo? Será que é esse mesmo o canal? Então, acho que vai muito nesse sentido.
Isabela: Tendo atuado como professora em cursos como Relações Públicas e Jornalismo, você acredita que o entendimento da Comunicação tem se distanciado cada vez mais do modelo clássico-informacional?
Isaura: Infelizmente, acho que não. Por que eu falo infelizmente, né? E é uma coisa que eu coloco na minha tese logo na abertura. O que eu percebo? Percebo, por exemplo, nas organizações, profissionais, de certa maneira, muito frustrados, porque eles têm um olhar, eles pensam na comunicação para resultados. Então, eu tenho que fazer um trabalho nesse sentido para eu buscar esse resultado, né? E, assim, acho que é muito difícil a gente ter esses resultados em comunicação dessa forma, não é, Isabela? E, aí, quando eu chego na graduação, nas aulas, vocês, os alunos, querem muito mais buscar modelos alternativos do que fazer em comunicação, de como fazer em comunicação. Isso é necessário? Sim, isso é necessário, mas a gente não pode colocar isso como ênfase, e a gente continua com aquele olhar do clássico-informacional. O que é o olhar do clássico-informacional? É a comunicação que está muito mais voltada ou que enfatiza muito mais a divulgação, a transmissão da informação, né? Então, assim, eu acho, eu acredito, pela convivência que eu tenho hoje, que a gente pode até usar termos diferentes, mas, assim, a comunicação vai ser desenvolvida e ser pensada entre aspas ainda com essa ênfase informacional, com essa ênfase da busca dos resultados, da eficácia da comunicação. Mas você vai me dizer: “oh, Isaura, mas isso é importante, né? A gente tá no contexto organizacional”. Sim, é importante, só que isso não pode ser o direcionador, entendeu? Porque aí eu acho que, se eu continuo tendo esses como os meus direcionadores, eu, profissionalmente, vou continuar frustrada no desenvolvimento do meu trabalho. Como é que eu consigo comprovar a eficácia, a eficiência de comunicação? Então, assim, eu tenho que ter algumas alternativas, porque estou em um contexto específico de mostrar aquilo ali, mas eu tenho que entender que essa minha leitura de resultados é muito limitada, e a comunicação é muito mais do que isso, sabe? Respondi?
Isabela: Respondeu. Em sua opinião, como o profissional de Comunicação Organizacional pode cultivar o interesse por interações mútuas e não se conformar apenas com a reativa?
Isaura: Olha, eu falo em consultoria e falo também em sala de aula: a gente tem uma sociedade que nos conduz a esse tipo de relação, né? Então, a gente é pautada por essas relações que estão focadas em resultados. O que a gente precisa fazer? As organizações, sejam públicas ou não governamentais, de iniciativa privada, todas elas, de alguma forma, são pautadas por modelos de gestão que primam por resultados. E, aí, a gente, trabalhando com comunicação lá dentro, vai também nessa linha. O que acontece? Eu acredito que, para que você possa atuar mesmo com uma comunicação que seja mais aprofundada, com uma comunicação que seja mais comunicação do que organização, você tem que ter um conhecimento conceitual, teórico, que te permita argumentar com esses gestores, com esses diretores de organizações, para mostrar a natureza que é complexa e que é relacional da comunicação e da Comunicação Organizacional. Então, eu acredito que, como é que a gente pode ir mudando essa forma de pensar, essa forma de fazer comunicação? Na medida em que eu vou adquirindo um cabedal teórico e conceitual que me permita argumentar com essas pessoas que têm um olhar extremamente voltado para resultados, sabe? E eu acho que isso […] e, nesse sentido, né, essa questão vai muito da graduação, do trabalho que se faz na graduação, de você conseguir se voltar para esses estudos, de você conseguir ter esse olhar para a Comunicação Organizacional, não só o clássico-informacional. E, assim, às vezes, quando a gente vai falando dessas questões, fica parecendo que a informação, que a transmissão da informação não é importante. Sim, ela é, e ela faz parte, e eu tenho que pensar nisso aí. O que a gente precisa ter em mente é que ela não é única e, muitas vezes, ela não é a principal forma e a principal ênfase de Comunicação Organizacional.
Isabela: Entendi. Bom, no artigo, você chama a atenção para algumas palavras utilizadas pelos profissionais que foram entrevistados, como: “atingir”, “divulgar” e “passar”. Qual é a importância de substituirmos esses termos em nosso vocabulário?
Isaura: Aí não é substituir em nosso vocabulário. Eu chamo muito a atenção para esses termos e chamo até hoje, em função desse olhar para a comunicação. Você não passa, né? Então, assim, na verdade não é nem a utilização dos termos, porque o que eu vejo hoje, também, Isabela, às vezes, e a gente vê isso até em artigos, outros termos são usados, mas com a mesma lógica. Eu uso Foucault, e Foucault fala de função enunciativa e regras de formação. Então, eu posso até ter enunciados diferentes, ou então ter outros termos, mas que, quando eu vou analisar, ele cumpre a mesma função da anterior. Então, ele tá ali pra falar dessa comunicação que é a comunicação pensada como aquela com a qual eu consigo eficácia, resultados etc. De novo. Tem isso? Tem, mas isso não pode ser a ênfase, porque comunicação não é assim, né? Então não é a utilização dos termos, é a compreensão. Se eu compreendo a comunicação a partir dessa abordagem, que é uma abordagem mais complexa, né, e que eu estou comentando que tenha na Comunicação Organizacional muito mais comunicação do que organização, então eu não uso mais esses termos, porque eles não vão fazer sentido nessa minha abordagem, entendeu?
Isabela: Entendi. Bom, Isaura, você poderia citar algum exemplo de organização que, ao seu ver, aproxima-se de uma interação relacional em sua postura digital?
Isaura: Eu não consigo ver isso. E o que acontece? Eu estou há quase quatro anos e meio afastada do mercado, né, porque eu estava me dedicando exclusivamente ao doutorado. Então, assim, eu não vejo as organizações pensando na comunicação digital nessa lógica, sabe? Eu vejo muito aquela lógica anterior, e, assim, demanda um esforço muito grande, Isabela. Eu, por exemplo, estou sem olhar meu Facebook há uns sete meses ou mais. Assim, faz sentido eu ter? Não, mas tá lá, né? A loucura é essa. Eu estou sem olhar ele há uns sete meses e, normalmente, o que a gente faz nesses meios? A gente posta o que nos interessa, a gente curte, em algumas vezes, a gente conversa. Então, assim, se eu pensar em mídias sociais de organizações, eu não tenho acompanhado isso mais de perto, mas, até onde eu acompanhei, eu não vejo organizações trabalhando a comunicação por mídias sociais nesse tipo de interação que propicia, de fato, um diálogo. Talvez você até esteja em mais contato do que eu. Assim, tem um exemplo que a gente ouviu falar que é o da Prefeitura de Curitiba, né? Então, eu lembro que olhei esse case há mais tempo e me parece que foi um caso desses. Um caso de ter, de fato, um diálogo por meio das mídias sociais. Acho que esse é um exemplo interessante, né? Que a gente viu, ouviu comentários sobre e, assim, acho que esse pode ser pensado como um exemplo interessante. Além desse, Isabela, sinceramente, eu não me lembro de ter visto nenhum outro que tenha, de fato, essas características, tá?
Isabela: Tudo bem! Já respondeu. É possível a uma organização apresentar um discurso digital de interação relacional, mas, na prática, no dia a dia, interagir de modo reativo? Bom, acho que você já disse que a interação relacional não é enxergada por você nas organizações hoje em dia.
Isaura: Eu não. Você enxerga, [risos]? Então, assim, existe uma interação que não é só essa de ser mediada pelo computador, mas que me propicia diálogo e conversa. Então, isso é superinteressante, acho que isso muda totalmente o relacionamento das organizações com os públicos. Mas, assim, eu trabalhei em organizações, durante muito tempo, de mineração, já trabalhei também com energia, já trabalhei com papel e celulose e, nesse tipo de organização, eu não consegui perceber isso. Até hoje eu não percebo.
Isabela: A espera de um retorno/feedback dos públicos com os quais a organização se relaciona não faz parte de um pioneirismo, de uma fase de testes no mercado? Ou isso também faz parte da lógica informacional?
Isaura: Você acabou de dizer: teste no mercado. Então, eu posso pensar também no mercadológico na Comunicação Organizacional, mas a Comunicação Organizacional é mais abrangente do que isso. Acho que você tocou no ponto exato que estamos discutindo. Eu não posso pensar a Comunicação Organizacional só na lógica de mercado. Se eu penso Comunicação Organizacional como algo muito mais abrangente, que a minha abordagem seja muito mais da comunicação, o que eu tenho que entender por essa comunicação? A comunicação se dá na interação, né? E o que eu estou dizendo aqui pra ti pode não fazer o mesmo sentido que faz pra mim, né? Porque a elaboração, as questões simbólicas, os valores que se têm, a sua experiência de vida, tudo isso vai impactar na forma como você recebe essas informações e como você processa. Então, o sentido que faz pra ti pode não ser o mesmo pra mim, entendeu? O que eu estou dizendo, também você pode compreender e processar de uma maneira diferente. Então, se eu entendo a comunicação dessa forma, é claro que tenho alternativas de mercado, é claro que, se eu estou pensando na venda de um produto ou de um serviço, eu tenho que fazer um teste de mercado, e, aí, a gente tem o Marketing com uma série de instrumentos e ferramentas que nos servem a isso. Então, o que é Comunicação Organizacional para você? Se for só isso, para mim, não é, entendeu? Então, essa é a questão que eu coloco. Eu tenho que ter essa busca também por resultados, tenho que fazer testes, mas eu não posso colocar isso como sendo Comunicação Organizacional. Isso é, também, mas tem mais um mundo aí à sua volta, que a gente tem que tentar entender e abraçar de uma forma diferente. Eu acho que, a partir do momento em que o graduando, quem está estudando, começa a ver isso de uma forma diferenciada, então, quando ele chegar ao mercado, ele vai começar a trabalhar também nesse sentido da Comunicação Organizacional. Então, eu acho que só nessa dinâmica aí que a gente vai conseguir, de fato, ter um pensamento diferenciado.
Isabela: Você concorda com a profissional entrevistada “Lélia”, quando ela afirma que trabalhar o interacional é uma questão de maturidade do profissional e da organização?
Isaura: Eu acho que sim, só eu não tenho aqui em mente, mas me parece que ela usa o interacional, não sei se é ela, eu acho que é essa entrevistada que usa o interacional como essa coisa de você buscar o feedback. Não sei quem coloca isso. Eu lembro que uma das questões que me chamam a atenção nessas minhas entrevistas lá do mestrado é que as pessoas, os profissionais, entendem o interacional como essa ferramenta, e aí eles trazem pro digital, de você conquistar as mídias sociais, de você acompanhar o que os públicos dizem e de você ter o feedback, né? Para mim, isso não é interação, a não ser que seja quando eu penso nos conceitos do Alex Primo de interação mútua e de interação reativa, né? Então, o que a gente busca? Se a gente busca só medir, pode ser! É uma forma de fazer isso, mas, agora, se a gente busca, de fato, o diálogo e uma conversação, então, realmente, tanto a organização como o profissional tem que ter maturidade, porque, Isabela, é muito mais difícil, concorda? É muito mais fácil para mim, como profissional, tendo técnicas e conhecimento, é muito mais fácil eu criar um perfil extremamente interessante para a organização para a qual eu trabalho, eu postar coisas interessantes, vídeos e tal. Agora, eu abrir, de fato, para o diálogo, eu escutar críticas, eu fazer com que essas críticas possam impactar a minha forma de gestão ou nas questões que são desenvolvidas na organização, eu conseguir manter, de fato, um diálogo com as pessoas que pensam diferente de mim, então, isso, para o profissional e para a organização, é uma questão de maturidade. É uma questão de maturidade se eu pensar que isso requer pensar a comunicação de uma forma diferente. Mas eu não me lembro bem, eu acho, se ela ainda usa isso pro sentido de feedback. Não me lembro bem se seria essa entrevistada ou uma outra que fala dessa interação que só é intermediada pelo meio, sabe?
Isabela: Você traz a fala de Alex Primo (2005), de que “a interação mútua é um constante vir a ser, que se atualiza através das ações de um interagente em relação à(s) do(s) outro(s)”. Isso envolve, por exemplo, o caso de uma organização antiga que sempre cultivou a interação reativa em suas práticas – em vez de prezar pelo relacional –, mas que, agora, está disposta a se aproximar da mútua? Ao seu ver, a sociedade recebe bem casos desse gênero, de transição no estilo interacional de maneira drástica?
Isaura: Olha, a gente não pode falar no “acho”, né? São questões muito hipotéticas. Aí, eu volto naquele início lá, que a gente começou a conversar. Qual é a natureza dessa organização? Que interesse teria nesse diálogo com as pessoas? Como é que isso poderia ser feito? Então, assim, se a sociedade aceitaria isso? Se a gente parte do pressuposto de que a sociedade é hoje muito mais exigente ao que fazem as organizações, sim! Talvez ela aceitasse melhor isso. Agora, que interesse a sociedade teria nessa organização, porque eu posso ter, Isabela, organizações que não geram nenhum interesse por parte da sociedade acerca do que elas estão fazendo ali, num determinado momento. O que quero dizer é que, quando eu penso em Comunicação Organizacional, eu posso ter organizações cujas atividades ou cujo perfil talvez não seja nem de interesse da sociedade, que são mais específicos, que têm nichos que sejam mais fechados. Então, acho que nessas questões da Comunicação Organizacional, e isso é uma coisa que eu sempre contestei, não existe um modelo para pensar “isso funciona”, “isso deve ser assim”. Então, se eu tenho essa Comunicação Organizacional dessa maneira mais complexa e mais abrangente – complexa em vários sentidos, complexa se eu pensar no Paradigma da Complexidade de Edgar Morin, complexa se eu pensar […] são níveis diferentes de complexidade, sabe? Se eu pensar, inclusive, na forma como a sociedade se organiza hoje, então, eu tenho que entender o que é a Comunicação Organizacional nessa organização. Como é que ela funciona, o que seria interessante, que tipo de diálogo, a que públicos interessa, sabe? Não dá para eu te dizer agora: “ah, isso seria legal, isso seria aceitável”. Não, porque senão eu estaria aqui te “colocando” uma espécie de manual, “isso funciona, isso não funciona”, não. Então, eu acredito que Comunicação Organizacional tem algumas diretrizes, algumas técnicas e tal, mas se eu quero, de fato, entender a Comunicação Organizacional nesse nível de complexidade mais alto, a comunicação, mais comunicação do que organização, eu tenho que entender a situação para cada um. Faz sentido?
Isabela: Sim, sim! Dá para ver que ainda temos uma cabeça fechada, de que ainda não compreendemos completamente.
Isaura: Nós todos temos, Isabela, somos criados assim. É a forma de pensar diferente que precisamos começar a desenvolver. Então, eu tô dizendo pra ti, mas eu trabalhei durante muitos anos fazendo produtos de comunicação para organizações. Comecei a trabalhar com consultoria em 2006/2007 e foi a partir do momento em que eu comecei a questionar até mesmo a minha prática! Não se trata de cabeça fechada, a gente tem um pensamento matemático da comunicação. Infelizmente, até hoje, com todos os avanços que tiveram, a gente está numa sociedade que cultua esse tipo de pensar, sabe? E aí o que acontece é que eu tenho que fazer um esforço muito grande para começar a pensar diferente, e, assim, o que eu mencionei pra ti, às vezes até a gente começa a trabalhar alguns conceitos que estão nesse sentido, mas que a gente, ao se apropriar desses conceitos, a gente coloca nesse sentido matemático. É um pensar constante sobre isso: o que eu estou fazendo? O que é comunicação mesmo? Qual é o meu papel? Porque eu acredito que a Comunicação Organizacional e que o profissional de Comunicação Organizacional, ele tem um papel social importante. As organizações estão cada vez mais conformando valores, comportamentos na sociedade, né? Então, assim, quando eu trabalhava em empresas e a gente trabalhava qualidade total e essas coisas todas, você leva isso para a sua casa, para a sua vida, para o seu dia a dia. Então, assim, o nosso papel em Comunicação Organizacional é um papel que tem uma ponta de um trabalho social muito grande, de uma preocupação com esse social, sabe? O problema é que primeiro somos formados com essa cabeça do pensar em fazer comunicação (não estou dizendo que não tenha aqui, mas essa é a diretriz principal), e, aí, quando a gente chega nas organizações, chegamos em um ambiente que também te cobra isso. Então, às vezes, até o tempo para pensar e para refletir o que a gente faz acaba sendo posto de lado em função de tantas entregas que você tem que fazer. Então, o que eu acho é que, desde cedo, desde a graduação, você tem que pensar diferenciado, sabe? Porque isso é que vai possibilitar que a gente trabalhe de maneira diferente.
Isabela: Ao final do artigo, você comenta a necessidade de alterar os conceitos aprendidos na comunicação, afastando-os do paradigma informacional. Você carrega expectativas de que o mercado (composto de profissionais já formados) também mude?
Isaura: Ai, expectativas eu sempre tenho! Então, por exemplo, em atividades de consultoria. Uma vez eu estava em um trabalho com um determinado gerente e suas equipes de três ou quatro gerências de comunicação. Era um trabalho, tipo uma oficina, que duraria o dia inteiro. Aí, esse gerente vira e fala assim: “Não, aqui não tem jeito. Não, aqui sempre foi assim. Não, eu faço o que o meu diretor me manda”. Então tá. E, assim, o tempo inteiro eu tentando conversar com ele e com a equipe, e ele falando dessa maneira. Eu cheguei e falei assim: “Bom, se você acha que essas questões que estamos colocando não tem jeito por isso, por isso e por aquilo, então eu não tenho o que fazer aqui. Vou encerrar nossas atividades, vou conversar com o seu gestor para a gente saber o que faz, porque não faz sentido eu estar aqui se você diz que não tem como pensar diferente a comunicação nesta organização, neste contexto”. Então, assim, eu acho que a gente sonha muito, e o fato de eu ter passado por muitas empresas e de eu ter visto trabalhos de comunicação que podem fazer a diferença (não são muitos, mas eu vi), e o fato de, às vezes, você ir conversar com o profissional e ele começar a pensar naquilo que ele faz, a pensar de uma forma diferente, eu acho que, aí, a gente consegue mudar. O que era, também, o meu grande incômodo e que me levou ao mestrado e doutorado era porque, nessas atividades de consultoria, eu via muito essa atuação dos profissionais, nesse sentido: “não, aqui sempre foi assim, o que eu vou fazer é assim, é assim que se espera de mim”. E eu falava assim: “gente, mas você não é a pessoa de comunicação? Você não é a pessoa que deveria questionar?”. Então, eu falo que tudo bem, estamos em um contexto que tem suas regras, suas normas, suas metas, seus objetivos, mas quem faz comunicação aqui sou eu, né? Então, se eu simplesmente vou fazer aquilo que me compete, no sentido de que “você vem para fazer isso, isso e isso”, e eu não questiono a forma como eu estou fazendo isso, se eu não refletir essas questões, se eu não começar a pensar no meu “fazer comunicação”, eu simplesmente vou replicar mesmo o que a organização quer. Então, eu comecei a dizer isso para falar que o meu incômodo, também, era com essa postura profissional. E o que acontece? Eu volto naquilo que já comentamos. É mais fácil eu fazer aquilo que a organização me pede do que eu pensar, porque, se eu pensar essa complexidade e essa interação de verdade com os públicos, isso vai ser muito mais trabalhoso, isso vai demandar mais reflexão, mais massa cinzenta, atividades e ações que não tenho como monitorar, muitas vezes. E, assim, são questões que a gente tem que avaliar no nosso “fazer comunicação organizacional”. Se a gente quer fazer diferente, se queremos uma Comunicação Organizacional que seja mais comunicação do que organização, eu não posso me limitar a fazer aquilo que me pedem, né? E aí eu volto para aquela outra história. Para que eu possa questionar isso, para que eu possa conversar com um diretor (muitas vezes, né, as diretorias são compostas por engenheiros e tal, administradores) e dizer que a comunicação não é aquilo que ele tá pensando, e que a comunicação pode ser isso, isso, isso e isso, para que eu possa fazer isso, eu tenho que ter um cabedal conceitual, eu tenho que conseguir argumentar. Então, assim, eu acho que as coisas giram em torno dessa reflexão, que pode culminar, sim, numa maturidade profissional para que eu pense essa comunicação de uma forma diferenciada. “Ah, Isaura, isso não existe! Isso não é fácil. Não, eu não vou mudar de uma hora para a outra”. Não é? Então eu estou em um sistema que cultiva esse tipo de pensamento, mas eu tenho que entender: comunicação é mais do que isso. Então, se eu quero, de fato, ter uma atuação que seja diferenciada, se eu quero ser feliz naquilo que eu estou fazendo, eu tenho que entender o que é aquilo que eu estou fazendo, tenho que entender quais são as minhas limitações e quais são as minhas potencialidades. A gente, às vezes, acha, e eu vejo profissionais nas organizações achando, que a comunicação vai mudar tudo ali! Dentro do processo comunicativo, o que é, como é que a gente pode atuar para que possamos fazer com que essa organização tenha uma forma de agir e que seja mais ética, valorizada, temos formas de atuações. Mas, para isso, precisamos tentar entender esse contexto, entender as relações que existem ali dentro, da organização com outras organizações, com a sociedade de uma maneira geral, entender o que eu posso mexer, quem são as pessoas ali na organização que podem me ajudar a trabalhar essa comunicação que tenha uma abordagem diferenciada. Então, assim, é um trabalho que não se limita ao fazer e que a gente tem que levar e pensar para dentro da organização. Não é fácil, mas não é impossível, sabe? E a gente percebe isso, eu falo que fico feliz nas atividades de consultoria quando eu chegava e alguém falava assim: “Isaura, você falou daquilo ali e eu estou vendo isso acontecendo nessa, nessa e nessa situação. Que coisa interessante!”. Então, assim, isso já é o pensar diferente que começa a ser cultivado, sabe, Isabela? Por isso que eu falo que eu sonho muito.
Isabela: Bom, obrigada, essas foram as perguntas!
Entrevista, via Skype, em 23 de fevereiro de 2019.